segunda-feira, 10 de março de 2008


A VERDADE DIVIDIDA


A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metadevoltava igualmente com meio perfil.
e os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade
In Contos Plausíveis
José Olympio, 1985
© Graña Drummond

Citado em KRAMER, Sônia; BAZÍLIO Luiz Cavalieri.
Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003.

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